Diferentes remédios para a vida
 
A sangha é como chamamos nossa comunidade no budismo. Gostaria de falar sobre como nos comportamos, como agimos, dentro da comunidade e qual é a história originária desse dessa joia budista que é a sangha.
 
Em primeiro lugar, por exemplo, quando presentes em um lugar de prática espiritual, como na Capela da Abadia de Santa Maria, aos entrarmos ou sairmos, devemos fazer reverência ao altar. Devemos ter deferência aos que compartilham conosco uma entrega à espiritualidade.
 
Há um erro constante que aparece na internet, em declarações e conversas informais, que é de que Buddha não era budista e Cristo não era cristão, e assim por diante. Esse tipo de declaração falta com a verdade. Esses dois grandes líderes fizeram coisas semelhantes que vão em direção à criação e à manutenção de uma instituição que possua regras a serem seguidas, bem como valorização de seus praticantes e seguidores.
 
Vamos ver as coisas semelhantes.
 
Primeiro, eles reuniram um grupo de discípulos especiais em volta de si. Buddha tem dez grandes discípulos listados, e a cada um se atribui uma qualidade especial e marcante. Depois, ao longo dos acontecimentos, e para que se evitassem problemas de desarmonia, vieram as regras. E temos, ainda, um grupo de pessoas que seguem tais seus discípulos.
 
Nós, na Daissen, temos mais de 50 centros espalhados pelo mundo, cuja missão é de acolher amorosamente todos os que nos procuram e levá-los ao despertar. Para isso a joia que é a comunidade, a Sangha, precisa ser forte e estar estabelecida em concordância com as regras e os preceitos.
 
Participamos agora de um sesshin, como são chamados nossos retiros, na Abadia Santa Maria, e somos muito gratos pela receptividade das freiras que, como nós, empenham-se em manter uma instituição acolhedora com o intuito de levar as pessoas a uma libertação.
 
Dentro do Cristianismo católico, há vertentes monástica maravilhosas. São Bento, o fundador de Monte Cassino, traz-nos muita reflexão e contemplação. Quando você lê os escritos de grandes místicos cristãos como Santa Tereza D’Ávila, São João da Cruz ou Mestre Eckhart, você verá, nesses escritos, um cristianismo com Dharma. O importante é dizermos que Dharma, que significa lei, sabedoria, não é propriedade do budismo. O Dharma existe e pode ser acessado por diferentes caminhos. Thomas Merton era um frade trapista, católico, brilhante. O Dharma está presente, é fácil de ver isso. O budismo é apenas um método, um caminho, ele conta a história do veículo para atravessar o rio. Nós falamos em atravessar o rio para atingir a outra margem. Lá, na outra margem, está a sabedoria. No final do sutra do coração, cantamos, “todos juntos para a outra margem, a iluminação, salve”. Então, o budismo vê-se como um barco para atravessar um rio, existem muitos barcos e jangadas, mas o budismo diz, “Você atravessou o rio, mas não vai sair carregando o barco nas costas, deixe o barco e vá embora”.
 
O budismo é um método para a libertação e não precisa ser carregado depois. Se for um bom método, podemos ensiná-lo às pessoas para quem o método seja adequado. Mas existem outras pessoas para quem, talvez, um outro seja melhor. E é bom que existam muitos remédios, porque existem muitos doentes com doenças diferentes.
 
Monge Genshō
玄祥
Abade da Daissen Ji
Comunidade Zen Budista.
 
Vivendo o Silêncio
 
O retiro se inicia quando os preparativos começam a tomar nosso dia a dia. Desde a escolha do local até, efetivamente, o momento em que o último participante deixa a Casa que nos recebe, isso, para nós, compreende o retiro. 
 
A cada desejo de que “Deus nos abençoe” até os pedidos que nos são feitos “por caridade”, em toda troca de mensagem, ajuste de detalhes, em tudo se percebe a devoção espiritual a um Caminho que com o nosso se cruza; o Caminho de que todos os seres alcancem a paz.
 
As vestes azuladas de trabalho na jardinagem, que as irmãs portam constantemente, mostram-nos, também, como o cuidado com todos os seres, pássaros, cachorros, flores, terra, também se assemelham aos nossos e, ainda, são formas de respeito com que também aprendemos.
 
No dia de início do retiro, temos o privilégio de conhecer a Abadessa – quem não havíamos encontrado da última vez, pois estava em viagem. Uma das primeiras coisas que nos diz é que “São Bento enxerga os hóspedes como se fossem o próprio Senhor Jesus adentrando nossas casas”. Nossa natureza humana nada mais é do que a natureza divina que deveríamos sempre reconhecer uns nos outros.
 
A nossa capacidade de amar sem nada em troca receber é a mesma que Buddha teve quando, depois de alcançar o seu Despertar, decidiu-se por compassivamente continuar a ensinar o Caminho, até sua morte, dando testemunho da verdade. E é a mesma de quando em direção ao ribeiro do Cedrom, Jesus, em oração, diz, sabendo que seria em breve morto, que não rogava apenas por aqueles discípulos que estavam lá com ele, mas também por aqueles que um dia viriam a nele crer (João 16).
 
Com o passar dos dias, compartilhando aquele mesmo espaço, vivendo o silêncio, a sabedoria e a clareza vão nos adentrando. E olhando nossos irmãos comendo quietos, andando sem conversar, varrendo silenciosamente, meditando, é possível entender que “até o insensato passará por sábio se ficar quieto e, se contiver a língua, parecerá que tem discernimento” (Provérbios 17:28). E de tanto treinarmos uma certa mente, uma postura mental, tornamo-nos tal atitude. No início, apenas imitamos os mestres com suas condutas elevadas, até que, de tanto, repetidamente, assim agirmos, ao final, transfiguramo-nos.
 
Na tarde anterior ao final do retiro, fomos convidados a assistir às Vésperas, e pudemos compartilhar com as Irmãs um momento de intensa devoção. As vozes tão perfeitamente impostadas, embalados pelos versículos, confortados pelas preces, lá estamos todos, juntos.
 
Quando imaginaríamos que estaríamos sentados lado a lado com as irmãs beneditinas? Como diz Saikawa Rōshi – o mestre de Genshō Rōshi – “A vida se mostra a cada passo”. E a vida tem em si uma perfeita sabedoria e ciência em seu desenrolar, difíceis de serem previstas. Como a passagem bíblica que a Abadessa, naquela tarde, proferiu: “Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!” (Romanos 11).
Monja Kakuji 覚慈, monja na Daissen Ji. Escola Soto Zen.
 
Ora et labora
 
De frente para a parede, em profundo silêncio, o nascer do dia é pressentido.
 
O tambor marca as horas e o sino de metal juntamente com o som da madeira repetidamente atingida por um martelo nos lembram a fragilidade da experiência humana.
 
Cada instante é precioso, único, e contém todo o Universo.
 
Em fila, os mais de 70 praticantes carregam reverentemente suas tigelas em direção ao refeitório. Antes de levar à boca cada porção de alimento, são convidados a refletirem sobre “os inumeráveis esforços necessários para que ele chegue até nós”. Alimento percebido como um remédio, apenas o suficiente para que possamos continuar a praticar com e por todos os seres.
 
E esse alimento simples e nutritivo nos foi oferecido pelas irmãs beneditinas, nossas anfitriãs. Sempre com sinceros sorrisos nos rostos, recebem-nos como receberiam ao próprio Cristo, nos explicou a abadessa.
  
“Ora et labora” disse o monge italiano mais tarde conhecido como São Bento, “um dia sem trabalho, um dia sem comida” ensinou Pai Chang, o monge chinês que estabeleceu muitas das regras dos mosteiros Zen. No dia de nossa chegada, descobrimos que a abadessa gosta muito de trabalhar com jardinagem e nos dias que seguiram esse primeiro encontro, no nosso horário de pausa do Zazen, fazemos samu, nosso trabalho diário, tirando as ervas daninhas dos jardins e hortas da Abadia.
 
Antes do anoitecer, as Vésperas unem monges Zen, praticante leigos e as irmãs beneditinas. Suas vozes convidam lágrimas e, ao final da cerimônia, todos juntam as palmas e se inclinam em reverência para aquelas que tão docemente nos receberam.
 
Um exemplar das regras de São Bento é entregue pela abadessa cristã ao abade Zen budista. Os dois com amplos sorrisos e olhares brilhantes.
 
Cada instante é precioso, único, e contém todo o Universo.
Monge Muryo 無量, monge na Daissen Ji. Escola Soto Zen.
 
 
 
 
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